27 May 2010

Impressoes sobre o meu primeiro sofa

(um pequeno contexto: couchsurfing e' uma comunidade online de partilha de sofas, em viagem contactamos pessoas pela internet que nos oferecem o seu sofa para dormirmos em sua casa, em Macau fiz couchsurfing pela primeira vez com gente de Portugal que me acolheu na sua sala por duas noites)

Um sofa e' uma privacidade partilhada, uma privacidade invadida. E' um sorriso de estranho tornado sorriso de amigo num piscar de olhos. E' ser amigo sem ser conhecido. E' uma casa que so' nao e' a nossa. E' caminhar por vidas a dentro em flashes de ilusao, e nao chegar a entrar. E' claramente um cheiro, cheirar na diagonal um sitio onde nao chegamos a estar. Um sofa e' um cruzar, porque e' efemero, mas um cruzar em casa, o menos efemero.

Um sofa portugues e' muito mais! E' um dizer Bom dia com cafe da cafeteira. E' conforto de casa. E' um grande voltar sem partir. E e' tambem esse voltar sem encontrar o velho que se conhece. E o estar assim tao longe em casa faz deste sofa um espaco pequeno, familiar. Mas depois ha quem ja ca esteja desde sempre e da-se a explosão do pequeno. Passa a pequeno extenso nas casas verde-agua e na feijoada. Nas catedrais ate'. Um sofa Macaense e' uma catedral pequena, velha. A casa velha e' Macau, o pequeno e' o sofa de apartamento. E tudo junto sao linhas de fuga consistentes. O sofa e os 500 anos de Portugal em Macau cruzados na minha memoria sao realidades muito novas. E o poder esta nos 500 anos de sofa e nos chineses em volta.

A consistencia traz sempre a ilusao do retorno. Como se me juntasse a um novo circo que sempre existira. O papel que represento e' tambem familiar. E' que sempre o representei. Eu colono, eu sofazeiro. Uma peca de teatro onde entro como sujeito e nada mais. Como marioneta de uma realidade antiga. E daqui extrapolo, para a vida, para a viagem: subjectifico-me. Aqueles binoculos no final do Salo do Pasolini explicam o sujeito. E' que nao ha mais nada aqui, em ti!, que um sujeito. Sujeito sem significado ou identidade e principalmente sem individuo. Ha so uns binoculos para a peca de teatro que ora vemos em sujeito, ora vemos em binoculos. Ora somos actor ora somos espectador (binoculos de Pasolini). Uma intermitencia dual da consciencia. E isto tudo em Macau, ora especto a catedral, ora actuo o sofa. E sempre uma cena pre-existente nas memorias possiveis. Sempre uma virtualidade tornada actual. Sempre uma repeticao retornada.

Deixar um sofa e' dizer nunca e sempre. E' recordar o efemero e querer ficar. Porque o sofa efemero e' desde logo recordar. Recordar o cruzamento, seguir caminho. E' desde logo partida. Como recordar este amanha? E' que este sofa catedral vai estar sempre aqui para mim. A tal peca mundo vai sempre estar aqui para nos, uma vida-mundo sempre pronta a ser espreitada ou actuada.

No comments: