13 November 2010

A vida...

(ler com a musica do video a tocar)

A vida deve ser sempre subir montanhas. Ah, o começar a frase com "A vida..." e sentir esta emoção.

O melhor dia desta viagem foi sem duvida aquele. A vida devia ser sempre assim, como este dia.

O dia foi a pedalar, o que deixa logo, na vida, o maior factor, o corpo a fazer aquilo para o que foi feito, mexer. De corpo quente e eficaz fui por ali fora, montanha acima...



(este e' um daqueles textos em que tudo o que tento fazer e' transmitir esta emoção clara que sinto, que esta' aqui e agora e que não existe em mais lado nenhum e, se alguma coisa me ensinou este blog, e' que esta emoção não existe senão aqui agora, deste lado, e vocês, incluindo eu no futuro, poderão ver apenas simulacros, repeticoes, falhanços desta emoção)


Este dia, vida. O dia, a vida. Começou com uma subida de 5kms de luta, não estava preparado! Passados 5kms doíam-me as pernas, nem havia prazer. Parei. Havia ali uma paisagem gigante, agricultores ao longe com arados e animais que os puxam. AH, ESTOU ALGURES NO INTERIOR DA CHINA a viajar com a mochila nas traseiras da bicicleta (e' o 13 de Maio de 2010, que não importa). Um pão e uma banana, uma conduta de agua que vai dar aos campos de arroz húmidos.

1 km mais a subir e a vida começa a sorrir, com sopa de noodles. De sol e asfalto a montanha e' inimaginavelmente bonita. Estou em Yuan Yang, província Yunan, China. Nem sei em que penso, sorrio so' de sol e bolachas com esporádicos camiões chineses que passam. Ahaha, rio mesmo, so' com um ou outro riacho. Há ainda, ja' depois bem tarde, lama, muita que me cobre de cima a baixo e a' bicicleta. O marco da estrada ao lado da barragem gigante diz claramente: descemos 50kms amigo e se olhar para o lado vejo la' em cima, uma estrada que passou ha' 30kms!

Depois, a vida andou por ali, cima baixo, baixo cima, difícil perguntar o caminho e frio ate', fome por vezes. Onde queria eu ir? Quanto queria sofrer? Ou queria eu sorrir so' em descida? Amanha? Que queres tu no virar da esquina? EU QUERO SOFRER! NÃO, quero DESCER! Sempre preferi as subidas...

Ja' era tarde nesta vida e ainda andava para cima e para baixo, ocupado entre mapas e horas. Ja' tinha feito 90kms quando vi a placa, 30kms para o destino.
Eram 30kms a subir mais que a senhora da graça, a torre, o alpez d'huez, a col de la bonette. Sim, eu ja' sofri, bem so', muito do que ha' para subir dessas etapas das voltas, vueltas, giros e tours dessa Europa, mas depois de 90kms, 30km de prémio de montanha na volta a china em bicicleta talvez fosse demais, ou talvez tivesse eu 30 anos e fosse ali a vitoria da minha vida! Vamos la'...

20kms de subida ininterrupta depois, começou a chover e ja' não havia luz.
Depois do por do sol e 110kms nesse dia, com fome, frio, sem pilhas nas luzes, a chover, a qualquer coisa como 2200m de altitude achei que, enquanto me deliciava exausto com aquela paisagem de arroz, devia levantar o braço. Tera' sido a primeira boleia da minha vida?

E' inevitável acabar a vida a' boleia, pode ser um desconhecido (na estrada) ou um filho, mas e' sempre a' boleia que se acaba a vida. E no final de tudo, depois da boleia, estara' la' o sol ainda e a paisagem quase escura e uma vida para veres com chuva talvez. No centro ou sul da china, a vida.

E o corpo-vida, essa dual intercepção. E eu de fora, a ver ali, essa luz corpo-vida de explosão, que não sou eu. E depois so' eu, a VER-RIR, sem corpo-vida.