09 March 2010

Sexto sentido: umas maos para dentro

Sao seis da tarde e estava a ler. Nao. Eram seis da tarde e estou a ler.
Depois parei, ouvi um grupo que conversava na harisha ali ao lado. Olhei para a porta do quarto. Pensava em algo relacionado com o trabalho. Talvez que oportunidades ia tentar encontrar. Que coisas iria querer fazer no meu novo emprego. E de repente, um respirar fundo e um: "já estou bom!".

E olhando ah volta... uma irrealidade.

Não corria vento. As folhas das palmeiras absolutamente inertes. Havia uma espécie de pórtico do campo onde estou, uma cabana de palha com hammocks, uma palmeira, no chão de terra, 5 metros adiante, estava o mar mas não havia nem vento nem ondas, só nevoeiro. Eh noite e estão 25 graus. Estou de tshirt. A luz amarelada que vinha do pórtico declarava-se aos meus pés, as sombras dos objectos eram estranhamente nítidas. O cheiro a mar também não estava. Havia um passeio entre mim e o mar onde passavam algumas pessoas mas o som dos passos parecia não se espalhar. Havia uma irrealidade que não entendi. A luz, o nevoeiro, a noite quente, o mar perto mas silencioso, o som dos passos que se espalhava pelo mar que eu não via no escuro. Era como num estúdio de cinema. Onde isto tudo estava a acontecer? Ali tinham acabado de filmar uma cena do Coppola (one from the heart)! Era Árabe que se falava ali na cabana.

Um sorriso. A paz espreitou. Disse, já estou bom!

O rasto que eu trazia já la não estava, não havia passado! E o futuro, fácil, outra vez ali tão meu.
Ali voltei a ter a vida toda e as suas esquinas para... derivar éticas.

Mas para aqui chegar, ontem, houve um exercício. Como desligar os sentidos?

Primeiro tive de usar os dedos, um, dois, três ... cinco!
O paladar e o olfacto são os mais simples. Digamos que estão desligados por defeito.

Coloquei uns tampões já não havia ouvidos.

Comecei aos poucos a ver as varias dimensões daquilo que sobrava. Estava na cama com um mosquiteiro por cima num quarto de meia dúzia de metros quadrados e com paredes amareladas. E já nem o mar ali em frente se ouvia.

A visão e o tacto são os mais difíceis. São aqueles que mais profundamente constituem as nossas noções de estar aqui e agora e de ser.

Para desligar a visão, desliguei primeiro as cores. Tirei as cores dos objectos. Transformei os objectos em formas bem escuras, negras que nao se viam. So depois fechei os olhos e nao houve diferença, era so aquele preto que foi fácil ignorar.

O tacto eh bem mais omnipresente. Como destruir este sentir que estou num lugar, num espaco?
Antes disso, ja de tampoes nos ouvidos e olhos fechados, respirei fundo. E nisto entendi que o tacto mais facil de desligar eh o interno. Eh mais facil deixar de sentir o corpo por dentro do que por fora.
Para deixar de sentir o sentido que me dava o tacto tinha agora de deixar de sentir o exterior. O primeiro obstaculo foi deixar de sentir os objectos em si, como um todo. Deixar de ter a mao no lencol, passar a sentir apenas aquela informação que vinha do dedo médio, aquela rugosidade. Depois era preciso deixar de sentir que aquela rugosidade vinha do meu braco ou dedo, ou sequer de um braco (objecto táctil). Era preciso isolar aquela rugosidade. Como fechar estes olhos que me trazem esta rugosidade simples? O tacto eh um sentido diferencial, se nao me mover nao sinto. E assim foi.

5 sentidos eliminados. Mas ainda aqui estou? So pode haver um sexto. Claro! Tenho de desligar este sexto sentido para deixar de estar aqui. E assim foi. A consciencia era claramente o meu sexto sentido que me deixava sentir, nao a luz, nao o som, nao a rugosidade, mas simplesmente o meu cerebro, ou o que la se passava. Eh que la havia ainda a memoria a correr. Com os 5 sentidos desligados faltava-me um, a consciência, que deixa ver a memoria enquanto esta se baralha. A consciencia eh o tacto do cerebro. Sao umas mãos para dentro!

A conclusão foi simples, tudo desligado veio o sono. Nesse lugar onde nao ha sexto sentido que deixe ver para dentro mas onde há memoria, e seus baralhamentos. E no dia seguinte, os restos desse baralho de memoria, pronto para "partir".

Bastou desligar-me assim para me por bom.

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