20 April 2010

10/4 Palmyra e Aleppo

Depois de dias festivos em Beirut e Damascus foi tempo de voltar a' Siria e fazer o que manda o livro: visitar as pedras romanas de Palmyra e o cheiro oriental de Aleppo.
No corpo levava pouco sono, muitas ideias mas uma certa esperança, levava a vontade dos que me falaram de viagens. Levava a vontade de viajar dos outros. Foram dias avivados pelas memorias. Nas pedras de Palmyra projectei as caras dos viajantes e na paisagem desértica em volta espalhei as suas vozes. Foram também dias de musica ca dentro, Palmyra ouviu-me cantar...

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Depois de vaguear entre rochas, templos, teatros e ruas de colunas bem altas e' tempo de subir o monte e ver o deserto de cima, o oásis e a cidade que ali havia no tempo de Júlio César.

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Vinha com grandes expectativas e com Pompei em mente. Mas se Palmyra não surpreendeu, veio logo Aleppo dar-mo de volta. Sabia eu que cheira Aleppo a especiarias e 1001 noites. Aleppo e' de facto uma cidade de referencia no Médio Oriente. Mas se os souks, o hammam, a mesquita bem no centro e os shish kebaps por todo o lado fazem de Aleppo uma cidade oriental, e' noutro lado que esta' o seu segredo.
Aleppo e' uma cidade pobre, bem no segundo mundo. Estava a chover quando cheguei e vinha comigo Kan, um Turco de 21 anos estudante de Marketing em Istambul que me foi falando, já, da Turquia... mas antes da Turquia. Há uma torre com um relógio e depois caminhos, souks dizem eles, caminhos, ruas, becos, curvas, esquinas sem saída e em cada canto um buraco, uma loja, um negocio. Na sexta-feira não se trabalha, e' o Domingo do Islão, e em todos estes países o negocio esta fechado. Na sexta passeei sozinho pelos souks abandonados e entrei no final do dia no Hamam de banho turco e massagens. No sábado renasce!
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Aleppo tem um souk especial. Não e' o souk, especial, e' aquela esquina que me fez cair o queixo e pensar que Petra ou Pompei talvez não fossem os locais mais impressionantes que alguma vez vi. Ao virar a esquina, no souk, vê-se uma muralha, e se andar um pouco vejo o fosso e depois, a parede que trepa monte acima ate' a outra muralha bem alta, la em cima: e' a cidadela de Aleppo. Caminho um pouco e desde um portico sobre o fosso ergue-se uma ponte gigante ate ah entrada na cidadela, no castelo. O fosso esta sem agua mas dizem que tinha 20m de profundidade e 30m de largura. No final da ponte, já na muralha ergue-se uma monstruosa porta: the citadel gate. Tem tamanho que chegue para me fazer cair o queixo e ouvir o relinchar dos cavalos e o tilintar das armaduras e o som das catapultas e os animais e os pobres a discutir. Viajar também, claro, no século XII. Dentro da cidadela há um anfiteatro e um palácio e uma mesquita e muitas ruínas e as vistas sobre Aleppo são incríveis. Foi este um dos últimos redutos Árabes nas cruzadas. Foi este tambem o meu ultimo reduto no Medio Oriente...

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Em Aleppo jantei sozinho e já no chá final, alguém grita, "Luís!". E' o Laurent que passa com mais gente nova. A eles me junto. Na noite seguinte eles são expulsos do hostel onde dormiam. No novo hostel há um quarto com vinho e varanda e um longo desfile de conversas.
Há o Sebastian, filosofo francês que diz "Wittgenstein" e "escola inglesa" e que "temos de ter muito cuidado com as palavras que usamos". A isto eu respondo que Deleuze dizia que escrever um livro sobre um filosofo e' como "encule'" o filosofo e fazer-lhe um filho bastardo, ele ri-se e diz, não surpreendentemente, que não gosta muito de Deleuze. Em Palmyra encontro o filosofo Japonês que fala de Heidegger (e' ele na foto em cima, sozinho na teatro de Palmyra). Agora um filosofo Francês que fala de Wittgenstein. Quem me ajudara com a minha teoria francesa?
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Há o Seb, tímido, Francês, 26 anos, viaja, roto, vai a' Índia, simpático. Com quase tudo o que e' preciso para ser um grande viajante mas ainda vai no inicio. "E' lento" diz ele.
O Julien Francês tem 27 anos estudou Business, fez mini carreira e agora vai estudar outra coisa, quer ser um Social Worker. Mas ainda não sabe. Viaja só 3 meses!
A Claire convenceu-me. Havia antes o Mat Americano, o meu americano favorito, finalmente um americano de quem realmente gosto. Agora a Claire. "It's probably something about how they pronounce the word PALESTINE". O Mat tem um major em Historia, a Claire um PhD em Historia sobre "crimes sexuais na idade media europeia"! Nenhum deles sabe onde vai muito bem mas há qualquer coisa na forma como vão... comprou uma bicicleta, colou umas sacas e pedalou ate ao Eufrates, a 5kms do Iraque disseram-lhe: "não podes estar aqui", e voltou. Vendeu a bicicleta, deixou a mochila em Damascus e veio para Aleppo, "I just sold my bike, all I have with me now is this garbage bag", e mostra um saco do lixo preto onde transporta as coisas. Há pessoas que vale a pena conhecer. Não são estes detalhes engraçados que aqui coloco que os fazem especiais, e' antes o seu tom de voz, a colocação da voz e do corpo. E' gente que esta' aqui e agora e experimenta.
Há também a Miriam de Aleppo, host do CouchSurfing. Fala muito com o Laurent e leva-nos a um bar giro. Trás um amigo que me fala do Francisco de Lisboa e do filme Capitães de Abril.
Havia ainda mais um ou dois ou três personagens... e um Falafel fantástico e uns doces ainda melhores.
No dia anterior, o almoço num palácio, um grande bife (comer kebab todos os dias da saudades de carne a serio!). Custou 12eur, o jantar custou 30cent!
Há, no fim de Aleppo, uma vontade de mudar de mudança! De parar, sair do carro, e continuar a caminhar a pe'. E para isso talvez seja preciso uma bicicleta. Não termino esta viagem sem uma bicicleta.

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