17 June 2010

Ler/viajar, viver/mastigar

Viajar com livros na memoria e' potenciar uma viagem. A Índia do Kipling e do Tagore, a Sudamerica das Venas Abiertas, do Vargas Llosa ou do Sepulveda, o Shanghai do Malraux... e, para alem da musica, a terra das imagens também, o Japao do Ozu (e do Andando), a Índia do Apu, o Brasil das Aspirinas e Urubus, e claro, e' aqui nos Estados Unidos que faço uso dos, de outra forma inúteis, tantos filmes Americanos que vi. As referencias multiplicam-se a cada momento. Mas os livros são o que mais enriquecem uma viagem. E são muito poucas as letras que trago. Isto enquadra-se na minha aprendizagem de viagem: os livros, a bicicleta, o navio, o couchsurfing, a boleia, o sorriso, etc. Viajar e' aprender a viajar, como viver e' aprender a viver.


Mas a verdade e' que nunca gostei de ler! O corpo queixa-se e quer sempre mexer-se, usar-se. E o cérebro pede mais tempo de letras. Ler sempre foi como mastigar uma iguaria, quando desfazemos o bife com os dentes já sentimos aos poucos o seu sabor, mas ainda nao ha prazer senao numa esperanca (como a esperanca no Sol ou amor de amanha). Mas os livros sabem a papel, e ler sabe a mastigar papel. Nao fosse a esperanca, queimava-os ja'! Mas e' no engolir, o sempre grande momento de virar a ultima pagina de um livro, e no digerir que esta' o prazer do garfo. O que vale também são aqueles momentos de memo'ria em que nos lembramos do que comemos, em que se abre o apetite para mais. O lembrar o que já se comeu e sonhar com mais. A paixão pelo "já ter lido", Ah, o viajar pelos livros que já li! Ah, as memorias das letras, e portanto, a fome de letras como quem conversa sobre francesinhas depois de uma tarde sem comer.

Viajar e' o oposto destas letras/comida, as fotos de viagem valem tão pouco... O viajar faz-se precisamente na "leitura", no mastigar, no evento. Viajar e' sentir o vento na cara e nunca recordar a pele e o vento. O melhor do viajar e' aquele sentir das letras a passar diante dos olhos. Tomara eu saber pousar os olhos no livro como quem lança os pés descalços ao caminho!

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