04 April 2011

A Vida é uma Doença ou os Direitos das Coisas

Prólogo
Mais do que a filosofia/arquelogia do proibido permanecer, é, já em Portugal depois da viagem, que numa releitura de Nietzsche, encontro um tema essencial a esta parte da minha vida: a “doença”. É o ponto fulcral do inicio da desconstrução. Desconstruir a doença é já desconstruir o tema da vida, do homem e da ideia.
Nas entrelinhas, Deleuze traz Bergson, Espinosa e des-Hegel mas é Derrida quem ultrapassa Nietzsche. Ao contrário de Nietzsche e Deleuze, Derrida não sorri ou chora. Não há drama ou emoção em Jacques Derrida, ele vai mais sério e, num tom muito igual ao de Godel, põe as suas palavras a darem tiros em si mesmas. Homem que olha o horizonte depois de ter quebrado o seu ultimo instrumento. Um homem  é um animal com instrumentos. Como pensar como um animal se ser animal é so’ esse não pensar?

Nós em conversa
Levei nesta viagem uma mensagem de voz gravada no meu telemóvel. Ia para casa às tantas da noite depois de um longo dia de trabalho e, enquanto conduzia, falava para mim futuro. Ouvi a mensagem muitas vezes durante a viagem.
A mensagem começava com um grande arroto e depois: “a pergunta para o viajante é: porque não passaste o dia a pensar o que foi feito do tempo que passou? Porque não passaste o dia a pensar o que é que fizeste da tua vida? Porque não passaste o dia a pensar: o que é que vais fazer? Porquê? Porque é que vais fazer o que vais fazer? Porque não passaste o dia a pensar: porque é que não paras?”. Resumindo, a pergunta para o viajante sempre foi “Porque é que é proibido permanecer?”.


Porquizar
A pergunta para o viajante é sempre: porque viajas? Como a pergunta para o vivente é sempre: porque vives? E tanto viagem como vida se unem no movimento: porque te moves? E daqui para a negação do porquizar (perguntar “porquê?”) num porquenizar (perguntar “porque não?”): porque não paras? Que se desdobra num, porque não acabas a viagem? Idêntico a um, porque não te deixas morrer? E assim chegados a um espaço comum da filosofia: porque não aceitas a morte?
Viajar/viver é não aceitar a morte. A morte é inaceitável. A morte é O inaceitável.

Oquiézar
Antes de respondermos será certamente melhor trocar o porquizar pelo oquiézar (perguntar “o que é?”). Antes de perguntar “porquê?”, perguntemos “o que é?”. O que é a vida?
Será a morte o verdadeiro oposto da vida? E ao perguntar isto sentir desde logo o não estarmos em terreno de realidades (seja lá o que isso for) mas o estarmos apenas em espaços linguísticos e, talvez, lógicos.
E nem referimos sequer a pergunta inicial, que não é tanto o “porque não paras de viajar?”, mas a mais simples, como viajar? Como viver? Mas a simplicidade é aparente. Para oquiézar uma coisa, é necessário oquiézar todas as coisas. Responder a uma pergunta, é responder a todas. E aqui voltamos a sentir o peso da lógica, uma resposta tem de encontrar outra. As respostas têm de ser coerentes.
E é talvez aqui que entendemos que, quando perguntamos, temos já’ muitas expectativas. Levamos na pergunta já’ assunções. Vai já na pergunta alguma (TODA A) resposta. E por este caminho chegamos, ainda antes de começar a responder, a’ pergunta das perguntas: “porque pergunto?”, porque porquizo? (Há’ quem diga que) tudo o que podemos fazer é perguntar.
Portanto, para responder a’ pergunta “o que é a vida?” temos de, antes (e talvez baste para responder), perguntar o que é que vai já’ nessa pergunta. Não só o “porque pergunto” mas o “o que pergunto”. Ou mais simples, por um lado: porque estou a perguntar “o que é a vida?” e não, por exemplo, “o que é a comichão?”, e por outro, que partes da resposta ou que tipo de resposta a’ pergunta “o que é a vida?” estou a assumir quando pergunto “o que é a vida?”. O passo seguinte é, Heidegger, trocar “vida” por “ser”: o que é ser, ou, “o que é ser” para eu estar a perguntar “o que é ser?” (e ainda o “o que é o ser para o ser que o é?”). Mas não vou por ai, nem por aqui.

A vida morta não é a morte viva
Os opostos podem ser igualizados. A tese base é que os opostos são iguais (dai a palavra lógica carregada) e que as respostas so’ aparecem (num mundo em que só há perguntas) pela separação dos opostos iguais. E daqui derivamos que a resposta às perguntas vem da forma como separamos os opostos. Basta-nos entender como separamos os opostos para chegar a algumas respostas. Ao dizer vida, dizemos principalmente não morte. Mas qual é a diferença? O que separa estes opostos? Ou melhor, como separamos, NO’S, estes opostos? Porque é que a vida não é a morte? (ou uma das milhões de perguntas equivalentes aqui, por exemplo: porque é que estar em movimento é diferente de estar parado?)

1. A morte viva, o vírus. Há 10 anos atrás, no café’, dois jovens (agora cientista e clínico) perguntavam entre si: o que é um ser vivo? Eu ouvia, e ainda ouço, a pergunta sem resposta. E na altura como agora, o exemplo, o vírus! Uma morte que afinal é vida.

2. A vida morta, a pedra de Sisifo. No mito de Sisifo, o homem é condenado a empurrar a pedra montanha acima para, chegado ao topo, deixar a pedra rolar montanha abaixo. Recomeçando até a’ eternidade. Quem estará vivo? Será o homem ou será a pedra? A pedra que rola montanha abaixo é tão viva como Sisifo. A pedra talvez seja mais viva do que Sisifo. Sisifo é condenado a algo mais significativo do que a gravidade a que a pedra esta’ condenada. Seremos nós pedras que rolam montanha a baixo? Que factores mostram vida?

3. Schopenhauer tem uma passagem quase cómica que compara a morte ao processo de defecar: se não ficamos tristes com o perdermos parte do nosso corpo quando defecamos (dado que o processo de VIDA se mantém para alem disso), porque haveríamos de ficar tristes por perdermos o nosso corpo (se o processo de VIDA se mantém para além disso)? Isto para alem de que quando mudamos a nossa forma de ser, não lamentamos a morte daquilo que deixamos de ser!


A vida doença e a morte saúde
A frase de Nietzsche que inspira todo este texto é “a doença é uma perspectiva sobre a saúde e vice-versa”. O que leva ao “a vida é uma perspectiva sobre a morte e vice-versa”. Que é o mesmo que dizer que são apenas diferenças superficiais que dividem estes conceitos. Vida e morte são a mesma coisa. Ou melhor, vida e morte são aspectos da mesma coisa.
Será morte sinónimo de saúde?
A energia que vem de dentro é a vida, e é também a doença: a ansiedade. “A ansiedade é o único sentimento irredutível”, diz Freud.  Porque não abandonar esta energia que vem de dentro, esta ansiedade? E porque não me torno uma pedra?
É proibido permanecer, porque permanecer é acumular ansiedade e a ansiedade é a vida. E permanecer é a morte no sentido em que abafamos ou aniquilamos ou absorvemos a ansiedade, a ansiedade que é vida. Permanecer é morrer. A vida é uma doença. A saúde é a paz calma, a saúde é a morte. Confuso!?
A vida é uma doença é um exercício para tornar tangível o demasiado simples: o bom é mau. Ou, o bom e o mau são a mesma coisa. Não passam de perspectivas.


O homem não animal, o animal não vegetal, o vegetal não mineral, o mineral não, o objecto e a coisa
Quando me falam em Direitos dos Homens eu só penso nos Direitos das Pedras, calcadas, cuspidas e atiradas a toda a hora! Mas ainda não foi desta que consegui explicar a importância fulcral dos Direitos das Coisas para a minha saúde. Risos.
Quem chegou aqui merece um poema, isto é um poema:

O homem não animal,
o animal não vegetal,
o vegetal não mineral,
o mineral não,
o objecto e a coisa.

4 comments:

Filipe C said...

Dado o número suficiente de porquês, é inevitável o meta-pensamento.

A "vida". Sempre achei que os suicidas, os que pensam "não quero viver assim" estão a cair numa armadilha montada pelas próprias palavras.

A conclusão óbvia face a esse pensamento é que a morte pode ser a alternativa. Mas, digo eu, o "não ser" é mais o oposto do "ser" do que a "vida" é o de "morte".

"Viver" é a forma como se conduz a vida em sociedade? Ou é o inspirar e expirar e mais umas quantas funções vitais? Pois, sim, qual é o significado subjacente à *palavra* "vida"?

Raio das palavras... traiçoeiras até mais não. Quanta lucidez não teria o mundo se conseguíssemos comunicar com significados em vez de palavras? Aliás, e se conseguíssemos pensar com significados em vez de palavras?

Suspiro...
Às vezes é preciso não pensar para "viver".

Telemaco said...

Fico contente por provocar pensamento.
Este post nao tem nada de suicida! Quem se suicida aqui sao as palavras! Palavras suicidas...

Perguntar "o que e' a vida?" e perguntar "o que e' viver?" sao coisas muito diferentes...

>>> Quanta lucidez não teria o mundo se conseguíssemos comunicar com significados em vez de palavras?

Lucidez e' so' uma palavra...

Abraco,
Luis

Filipe C said...

> Este post nao tem nada de suicida!

Bom, não era isso que queria dizer... é só um exemplo bom de palavras "armadilhadas"

> Perguntar "o que e' a vida?" e perguntar "o que e' viver?" sao coisas muito diferentes...

São? Pois, não sei, depende...

> Lucidez e' so' uma palavra...

Precisamente! :)

Não podemos viver com elas, e não podemos viver sem elas... :)
(as palavras)

vida
s. f.
1. O período de tempo que decorre desde o nascimento até à morte dos seres.
2. Modo de viver.
3. Comportamento.
4. Alimentação e necessidade da vida.
5. Ocupação, profissão, carreira.
6. Princípio de existência, de força, de entusiasmo, de actividade! (diz-se das pessoas e das coisas).
7. Fundamento, essência; causa, origem.
8. Biografia.
vida civil: os direitos civis.
vida eterna: vida futura, a outra vida, a existência espiritual depois da morte.
A bem-aventurança, a glória eterna.

viver
(latim vivo, -ere)
v. intr.
1. Ter vida. = existir
2. Passar (a vida). = existir
3. Passar a vida de tal ou tal maneira.
4. Ter determinado comportamento ou procedimento. = conduzir-se, portar-se, proceder
5. Proporcionar-se o alimento e o necessário para a vida. = alimentar-se
6. Entreter relações sociais ou amicais.
7. Conservar-se, durar, passar aos vindouros. = conviver
8. Gozar a vida; aproveitar-se da vida; tirar vantagem de tudo.
9. Passar toda ou a maior parte da existência em; não poder existir fora de.
10. Ter habitação habitual em. = morar, residir
v. tr.
11. Desfrutar de uma situação ou de um momento. = gozar
12. Durar por determinado tempo.
s. m.
13. Processo do que está vivo e perdura. = vida
14. Procedimento, comportamento.


Abraço!

Telemaco said...

ver no dicionario e' muito interessante de facto!
Abraco, Luis