13 December 2010

Da arqueologia a’ filosofia

A arqueologia e’ a maior das ciências, e’ a historia que não esta’ escrita, história sem letras. Na arqueologia não e’ o artefacto que interessa, e’ o que o artefacto revela. O para alem do que se sabe, para alem do que se pode saber. E’ a verdadeira ciência do desconhecido. O que fascina o verdadeiro arqueólogo, que não e’ ladrão, não e’ o objecto lindo de ouro, e’ a aura desse objecto, o que havia em volta, o contexto inconcreto de cada artefacto, inalcançável, o impossível desenhar: linha de fuga que parte do objecto encontrado.  A arqueologia, tal como um museu, não tem o que interessa (a realidade aparente que vende), pelo contrário, tem de ser imaginada. Todos os museus são sobre aquilo que não esta' lá, sobre o que não vai ficar. O para alem da “realidade” aparente.

E’ preciso arqueologizar, não só o saber com Foucault, mas a própria vida-mundo. Buscar o que esta’ em volta daquilo que nos e’ dado, admitindo desde logo a impossibilidade do concreto. Não há concretos! Não há realidade palpável, só nos resta a arqueologia.

E e' por isto que o meu monumento favorito em todo o mundo são as ruínas de Chan Chan no Peru. E’ um castelo de lama com mais de 1000 anos que parece vulnerável a uma simples rajada de vento. Facto que nos faz lembrar as coisas que não foram preservadas, “levadas pelo vento”. Pelo contrário, as pirâmides do Egipto, que eu desgosto particularmente, são grandes e famosas porque ficaram, porque há provas da civilização. O que queremos aqui e’ aquilo que não ficou! A maior civilização antiga e’ a que não ficou para ver. E Chan Chan e’ a minha favorita porque quase não ficou, como um bastião do inalcançável.

E da arqueologia, ciência do Proibido Permanecer, para a Filosofia.  Filosofia e’ só o conjunto de actividades a que nos entregamos com o objectivo de alterar a nossa própria forma de pensar. E diz-se própria no sentido em que alterar uma forma de pensar e’ alterar uma forma de ser. O culto daquilo que não permanece foge do culto do que permanece. Foge da febre do arquivo, do coleccionismo analista. O culto do que permanece (incluindo na arqueologia, quando se ignora, não se vendo, o que não se vê) leva-nos a um estado estático. Por exemplo, a incapacidade de filosofar, modo de pensar aquilo que sempre pensamos no passado (o grande domínio do superego).

E ao deixar o blog do Proibido Permanecer deixo a sua ética explicada: a vida deve ser o que não permanece. A vida e' muito mais do que as coisas que temos e vemos e memorizamos. A vida e' principalmente aquilo que não tocamos, o que nos passou por perto, aquela bruma de possibilidades que nos atravessam. O que fica e' um detalhe. O que podia ficar e' o grandioso. Nós, o cérebro, não somos feitos para o que aconteceu ou acontecera’. Nos somos feitos do que poderia ter acontecido para o que poderá acontecer.

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