25 June 2011

10 May 2011

...

Faz hoje um ano que entrei na China de bicicleta. Que aperto fechar este blog! Mas leio algumas entradas e rejubilo. Escrever o blog e' algo um pouco penoso para o viajante mas simultaneamente ele sabe que e' uma partilha connosco: ele partilha o seu Nirvana, a sua profundidade.

Hoje sinto-me do teu lado leitor. E nao gosto!

Se o post mais lido deste blog e' sobre Wadi Rum (tem as duas melhores fotos desta viagem), o meu post favorito deste blog, e de varios amigos, e' o Buda em Panico.

Um blog fecha-se com musica, de Shanghai, mais um momento magico da China com 4 amigos:



E a foto da viagem:

04 April 2011

A Vida é uma Doença ou os Direitos das Coisas

Prólogo
Mais do que a filosofia/arquelogia do proibido permanecer, é, já em Portugal depois da viagem, que numa releitura de Nietzsche, encontro um tema essencial a esta parte da minha vida: a “doença”. É o ponto fulcral do inicio da desconstrução. Desconstruir a doença é já desconstruir o tema da vida, do homem e da ideia.
Nas entrelinhas, Deleuze traz Bergson, Espinosa e des-Hegel mas é Derrida quem ultrapassa Nietzsche. Ao contrário de Nietzsche e Deleuze, Derrida não sorri ou chora. Não há drama ou emoção em Jacques Derrida, ele vai mais sério e, num tom muito igual ao de Godel, põe as suas palavras a darem tiros em si mesmas. Homem que olha o horizonte depois de ter quebrado o seu ultimo instrumento. Um homem  é um animal com instrumentos. Como pensar como um animal se ser animal é so’ esse não pensar?

Nós em conversa
Levei nesta viagem uma mensagem de voz gravada no meu telemóvel. Ia para casa às tantas da noite depois de um longo dia de trabalho e, enquanto conduzia, falava para mim futuro. Ouvi a mensagem muitas vezes durante a viagem.
A mensagem começava com um grande arroto e depois: “a pergunta para o viajante é: porque não passaste o dia a pensar o que foi feito do tempo que passou? Porque não passaste o dia a pensar o que é que fizeste da tua vida? Porque não passaste o dia a pensar: o que é que vais fazer? Porquê? Porque é que vais fazer o que vais fazer? Porque não passaste o dia a pensar: porque é que não paras?”. Resumindo, a pergunta para o viajante sempre foi “Porque é que é proibido permanecer?”.


Porquizar
A pergunta para o viajante é sempre: porque viajas? Como a pergunta para o vivente é sempre: porque vives? E tanto viagem como vida se unem no movimento: porque te moves? E daqui para a negação do porquizar (perguntar “porquê?”) num porquenizar (perguntar “porque não?”): porque não paras? Que se desdobra num, porque não acabas a viagem? Idêntico a um, porque não te deixas morrer? E assim chegados a um espaço comum da filosofia: porque não aceitas a morte?
Viajar/viver é não aceitar a morte. A morte é inaceitável. A morte é O inaceitável.

Oquiézar
Antes de respondermos será certamente melhor trocar o porquizar pelo oquiézar (perguntar “o que é?”). Antes de perguntar “porquê?”, perguntemos “o que é?”. O que é a vida?
Será a morte o verdadeiro oposto da vida? E ao perguntar isto sentir desde logo o não estarmos em terreno de realidades (seja lá o que isso for) mas o estarmos apenas em espaços linguísticos e, talvez, lógicos.
E nem referimos sequer a pergunta inicial, que não é tanto o “porque não paras de viajar?”, mas a mais simples, como viajar? Como viver? Mas a simplicidade é aparente. Para oquiézar uma coisa, é necessário oquiézar todas as coisas. Responder a uma pergunta, é responder a todas. E aqui voltamos a sentir o peso da lógica, uma resposta tem de encontrar outra. As respostas têm de ser coerentes.
E é talvez aqui que entendemos que, quando perguntamos, temos já’ muitas expectativas. Levamos na pergunta já’ assunções. Vai já na pergunta alguma (TODA A) resposta. E por este caminho chegamos, ainda antes de começar a responder, a’ pergunta das perguntas: “porque pergunto?”, porque porquizo? (Há’ quem diga que) tudo o que podemos fazer é perguntar.
Portanto, para responder a’ pergunta “o que é a vida?” temos de, antes (e talvez baste para responder), perguntar o que é que vai já’ nessa pergunta. Não só o “porque pergunto” mas o “o que pergunto”. Ou mais simples, por um lado: porque estou a perguntar “o que é a vida?” e não, por exemplo, “o que é a comichão?”, e por outro, que partes da resposta ou que tipo de resposta a’ pergunta “o que é a vida?” estou a assumir quando pergunto “o que é a vida?”. O passo seguinte é, Heidegger, trocar “vida” por “ser”: o que é ser, ou, “o que é ser” para eu estar a perguntar “o que é ser?” (e ainda o “o que é o ser para o ser que o é?”). Mas não vou por ai, nem por aqui.

A vida morta não é a morte viva
Os opostos podem ser igualizados. A tese base é que os opostos são iguais (dai a palavra lógica carregada) e que as respostas so’ aparecem (num mundo em que só há perguntas) pela separação dos opostos iguais. E daqui derivamos que a resposta às perguntas vem da forma como separamos os opostos. Basta-nos entender como separamos os opostos para chegar a algumas respostas. Ao dizer vida, dizemos principalmente não morte. Mas qual é a diferença? O que separa estes opostos? Ou melhor, como separamos, NO’S, estes opostos? Porque é que a vida não é a morte? (ou uma das milhões de perguntas equivalentes aqui, por exemplo: porque é que estar em movimento é diferente de estar parado?)

1. A morte viva, o vírus. Há 10 anos atrás, no café’, dois jovens (agora cientista e clínico) perguntavam entre si: o que é um ser vivo? Eu ouvia, e ainda ouço, a pergunta sem resposta. E na altura como agora, o exemplo, o vírus! Uma morte que afinal é vida.

2. A vida morta, a pedra de Sisifo. No mito de Sisifo, o homem é condenado a empurrar a pedra montanha acima para, chegado ao topo, deixar a pedra rolar montanha abaixo. Recomeçando até a’ eternidade. Quem estará vivo? Será o homem ou será a pedra? A pedra que rola montanha abaixo é tão viva como Sisifo. A pedra talvez seja mais viva do que Sisifo. Sisifo é condenado a algo mais significativo do que a gravidade a que a pedra esta’ condenada. Seremos nós pedras que rolam montanha a baixo? Que factores mostram vida?

3. Schopenhauer tem uma passagem quase cómica que compara a morte ao processo de defecar: se não ficamos tristes com o perdermos parte do nosso corpo quando defecamos (dado que o processo de VIDA se mantém para alem disso), porque haveríamos de ficar tristes por perdermos o nosso corpo (se o processo de VIDA se mantém para além disso)? Isto para alem de que quando mudamos a nossa forma de ser, não lamentamos a morte daquilo que deixamos de ser!


A vida doença e a morte saúde
A frase de Nietzsche que inspira todo este texto é “a doença é uma perspectiva sobre a saúde e vice-versa”. O que leva ao “a vida é uma perspectiva sobre a morte e vice-versa”. Que é o mesmo que dizer que são apenas diferenças superficiais que dividem estes conceitos. Vida e morte são a mesma coisa. Ou melhor, vida e morte são aspectos da mesma coisa.
Será morte sinónimo de saúde?
A energia que vem de dentro é a vida, e é também a doença: a ansiedade. “A ansiedade é o único sentimento irredutível”, diz Freud.  Porque não abandonar esta energia que vem de dentro, esta ansiedade? E porque não me torno uma pedra?
É proibido permanecer, porque permanecer é acumular ansiedade e a ansiedade é a vida. E permanecer é a morte no sentido em que abafamos ou aniquilamos ou absorvemos a ansiedade, a ansiedade que é vida. Permanecer é morrer. A vida é uma doença. A saúde é a paz calma, a saúde é a morte. Confuso!?
A vida é uma doença é um exercício para tornar tangível o demasiado simples: o bom é mau. Ou, o bom e o mau são a mesma coisa. Não passam de perspectivas.


O homem não animal, o animal não vegetal, o vegetal não mineral, o mineral não, o objecto e a coisa
Quando me falam em Direitos dos Homens eu só penso nos Direitos das Pedras, calcadas, cuspidas e atiradas a toda a hora! Mas ainda não foi desta que consegui explicar a importância fulcral dos Direitos das Coisas para a minha saúde. Risos.
Quem chegou aqui merece um poema, isto é um poema:

O homem não animal,
o animal não vegetal,
o vegetal não mineral,
o mineral não,
o objecto e a coisa.

27 December 2010

No depois, restam-nos palavras

A viagem não e’ este blog, digo para mim acusando-me de o pretender sempre que aqui venho. Um texto e’ só um texto. As palavras não são as coisas, são outras coisas. Mas agora que já’ não viajo restam-me apenas palavras. No depois, restam-nos palavras? Só elas são apalpáveis. Como se atiram memorias despalavradas contra uma parede? Felizmente o mundo não e’ uma parede de palavras (sempre viscosamente) agarradas nas paredes… um blog.
Seguem algumas entradas sobre temas que, como exemplo do que acabo de escrever, quase não passaram neste blog mas que habitaram permanentemente esta viagem: comida, arqueologia e arte.

Art, from memories to fantasies

There was this little wooden house by the turquoise blue water of the Mediterranean sea. A big green tree burst from the ground and invaded the clean sky scratched by orange mountain tops. The sun caressed my wet skin as I got out of the water. The sand on my feet and the warm wind made me bliss and I decided to go inside. As I opened the door of that small abandoned house the sun invaded an enourmous one division house with nothing inside except a few frames on the wall, some paintings... a dozen works of art I had bought some years before. I remember the light crossing from the door to the Song of the Lark (left) standing in the corner and the shadow dividing the Lorrain (right) in a diagonal. There I was, at home. Art as home.







But let's destroy this clean image of art. As an educated man I developed this sense of art, a taught taste that gives me pleasure. Mozart, Rimbaud and Pousao (portuguese painter), random young men, authors of objects that give me pleasure. No utility, no purpose, no meaning in the works themselves. Men producing objects of pleasure for other men to use.

I think I have more than 2 years "on the road" now (I started blogging a bit late, 2007, while the road started, if a point is needed, on March 11st 2002, Porto-Nice). Six month of life on the road is equivalent to 10 years of life in the office or lab. With such a long road driven, I feel I have memories the same size as an 80 years old man, and as an old man, there's not much difference between very old real memories and very recent fantasies.

22 December 2010

o mundo museu e a arte espelho

Os museus são uma parte fundamental das minhas viagens. Visitei dezenas de museus de arte nos últimos anos de viagem. Raramente escrevo sobre eles. Gostava de ter o tempo e paciência para escrever sobre os museus e seus detalhes. Escreveria sobre “artistas locais” como Guayasamin no Quito, Magritte em Bruxelas, Wu Guanzhong em Hong Kong, Botero em Bogota, Pollock em Nova Iorque, Guo Xi em Xangai, Van Gogh em Amesterdão, Albright em Chicago, Turner em Londres, Orozco na Cidade do México, Goya em Madrid, Schiele em Viena e Picasso em todo o lado (Nicarágua, Colômbia, Brasil, China, Japão, US e … Espanha).

Caminho pelas salas do MET em Nova Iorque e apercebo-me que não há ali nada, só objectos insignificantes pendurados nas paredes. As cores poderiam bem ser riscos de parede usada. Como, na rua, uma barra de Mars e apercebo-me que ali não há nada, só objectos, como um morango que colho e ponho na boca. Ou então, ali, em cada coisa, há tudo dentro de mim. Tudo ecoa dentro de mim. Ir a um museu não e’ ver as obras, e’ antes visitar aquilo que aqueles riscos e cores despertam dentro. As minhas memórias, referencias e ideias.

Em viagem, não necessito de um museu, basta-me um objecto qualquer para despertar as ideias. Em viagem tudo e’ museu. E’ que há esta característica do viajante, ele e’ o grande observador, como se o mundo não lhe tocasse. O viajante tem esse grande poder de não ser afectado pelas coisas que vê, que observa. Um mundo museu!

E deixo aqui um pouco de “arte” feita por mim. Na praia paraíso de Tulum no México, de madrugada moldo a areia e faço um auto-retrato com a luz do luar (a ultima foto foi tirada na manha seguinte). Que mais pode a arte ser senão um espelho? E e' exactamente esta característica que me afasta fundamentalmente da arte. O artista tem só um nome: Narciso.

auto-retrato em (linha de) fuga para cara de escama de peixe com cancro


17 December 2010

Comida

Depois de uns shish kebabs no Egipto (espetada de borrego) acompanhado com o maravilhoso pão egípcio e do mezze na Jordânia, veio o conflito entre árabes e judeus. A escolha gastronómica entre judeus e árabes e’ muito mais difícil que a escolha politica. O húmus de Jerusalém e’ magistral (cheio de azeite de óptima qualidade), o húmus em Aleppo vem acompanhado com um pão de pimenta quente inesquecível. O falafel em Damascus custa menos 10 vezes que em TelAviv mas não fica atrás em nada! Os standards Turcos passaram com gozlemes, durums e afins mas o que ficou da Turquia foi o gosto do chá de maca durante as noites de shisha.

No Laos come-se sopa de noodles ou arroz pegajoso (foto em baixo a' esquerda). O sabor convence sempre porque Laos rima com cebolinho! A China e’ um mundo e a sua comida também com mil variedades de dumplings, noodles, arrozes, agridoces e hot pots. No final lembro-me dos cogumelos exóticos a ferver no hot pot e dos noodles e dumplings de legumes feitos no momento algures no meio da montanha (foto em baixo a' direita). Em Macau, a sopa de vaca e ostras rivalizou com o omnipresente conguee em Hong Kong (sopa branca na foto a' esquerda) acompanhada por uns grelos com molho doce divinais).




 

Para não me alongar muito deixo só mais duas entradas que estão bem no topo dos meus pratos favoritos (só o Ceviche Peruano e’ indestronável). No Japão, arroz branco com ovos crus/escalfados com umas tiras de carne grelhada por cima (isto para não falar do okonomiyaki, a pizza japonesa). No México, tacos chori-queso: tacos com chouriço em queijo derretido com cebola e guacamole, o melhor prato do mundo!
Que fome!


E como a expressao "o melhor prato do mundo" me leva para mil lugares diferentes, deixo mais um, a Sopa Marinera caseira de Sambo Creek, nas Honduras (a' direita).


Honduras? E pequenos almocos? Quesadillas de feijao, queijo de cabra e ovo? Vamos la'?


13 December 2010

Da arqueologia a’ filosofia

A arqueologia e’ a maior das ciências, e’ a historia que não esta’ escrita, história sem letras. Na arqueologia não e’ o artefacto que interessa, e’ o que o artefacto revela. O para alem do que se sabe, para alem do que se pode saber. E’ a verdadeira ciência do desconhecido. O que fascina o verdadeiro arqueólogo, que não e’ ladrão, não e’ o objecto lindo de ouro, e’ a aura desse objecto, o que havia em volta, o contexto inconcreto de cada artefacto, inalcançável, o impossível desenhar: linha de fuga que parte do objecto encontrado.  A arqueologia, tal como um museu, não tem o que interessa (a realidade aparente que vende), pelo contrário, tem de ser imaginada. Todos os museus são sobre aquilo que não esta' lá, sobre o que não vai ficar. O para alem da “realidade” aparente.

E’ preciso arqueologizar, não só o saber com Foucault, mas a própria vida-mundo. Buscar o que esta’ em volta daquilo que nos e’ dado, admitindo desde logo a impossibilidade do concreto. Não há concretos! Não há realidade palpável, só nos resta a arqueologia.

E e' por isto que o meu monumento favorito em todo o mundo são as ruínas de Chan Chan no Peru. E’ um castelo de lama com mais de 1000 anos que parece vulnerável a uma simples rajada de vento. Facto que nos faz lembrar as coisas que não foram preservadas, “levadas pelo vento”. Pelo contrário, as pirâmides do Egipto, que eu desgosto particularmente, são grandes e famosas porque ficaram, porque há provas da civilização. O que queremos aqui e’ aquilo que não ficou! A maior civilização antiga e’ a que não ficou para ver. E Chan Chan e’ a minha favorita porque quase não ficou, como um bastião do inalcançável.

E da arqueologia, ciência do Proibido Permanecer, para a Filosofia.  Filosofia e’ só o conjunto de actividades a que nos entregamos com o objectivo de alterar a nossa própria forma de pensar. E diz-se própria no sentido em que alterar uma forma de pensar e’ alterar uma forma de ser. O culto daquilo que não permanece foge do culto do que permanece. Foge da febre do arquivo, do coleccionismo analista. O culto do que permanece (incluindo na arqueologia, quando se ignora, não se vendo, o que não se vê) leva-nos a um estado estático. Por exemplo, a incapacidade de filosofar, modo de pensar aquilo que sempre pensamos no passado (o grande domínio do superego).

E ao deixar o blog do Proibido Permanecer deixo a sua ética explicada: a vida deve ser o que não permanece. A vida e' muito mais do que as coisas que temos e vemos e memorizamos. A vida e' principalmente aquilo que não tocamos, o que nos passou por perto, aquela bruma de possibilidades que nos atravessam. O que fica e' um detalhe. O que podia ficar e' o grandioso. Nós, o cérebro, não somos feitos para o que aconteceu ou acontecera’. Nos somos feitos do que poderia ter acontecido para o que poderá acontecer.

02 December 2010

Alguns dos livros desta viagem

Foi uma viagem lancada por 3 gigantes:
Foucault, Hermeneutics of the Subject
Bergson, Matter and Memory
Deleuze, Diferença e Repeticao

E mais alguns:
Foucault, Security, Territory and Population
Lyotard, Postmodern Condition
James Joyce, Dubliners
Solsestinin, One day o the life of sergei ivanovitch
Faulkner, O som e a furia
La Celestina

13 November 2010

A vida...

(ler com a musica do video a tocar)

A vida deve ser sempre subir montanhas. Ah, o começar a frase com "A vida..." e sentir esta emoção.

O melhor dia desta viagem foi sem duvida aquele. A vida devia ser sempre assim, como este dia.

O dia foi a pedalar, o que deixa logo, na vida, o maior factor, o corpo a fazer aquilo para o que foi feito, mexer. De corpo quente e eficaz fui por ali fora, montanha acima...



(este e' um daqueles textos em que tudo o que tento fazer e' transmitir esta emoção clara que sinto, que esta' aqui e agora e que não existe em mais lado nenhum e, se alguma coisa me ensinou este blog, e' que esta emoção não existe senão aqui agora, deste lado, e vocês, incluindo eu no futuro, poderão ver apenas simulacros, repeticoes, falhanços desta emoção)


Este dia, vida. O dia, a vida. Começou com uma subida de 5kms de luta, não estava preparado! Passados 5kms doíam-me as pernas, nem havia prazer. Parei. Havia ali uma paisagem gigante, agricultores ao longe com arados e animais que os puxam. AH, ESTOU ALGURES NO INTERIOR DA CHINA a viajar com a mochila nas traseiras da bicicleta (e' o 13 de Maio de 2010, que não importa). Um pão e uma banana, uma conduta de agua que vai dar aos campos de arroz húmidos.

1 km mais a subir e a vida começa a sorrir, com sopa de noodles. De sol e asfalto a montanha e' inimaginavelmente bonita. Estou em Yuan Yang, província Yunan, China. Nem sei em que penso, sorrio so' de sol e bolachas com esporádicos camiões chineses que passam. Ahaha, rio mesmo, so' com um ou outro riacho. Há ainda, ja' depois bem tarde, lama, muita que me cobre de cima a baixo e a' bicicleta. O marco da estrada ao lado da barragem gigante diz claramente: descemos 50kms amigo e se olhar para o lado vejo la' em cima, uma estrada que passou ha' 30kms!

Depois, a vida andou por ali, cima baixo, baixo cima, difícil perguntar o caminho e frio ate', fome por vezes. Onde queria eu ir? Quanto queria sofrer? Ou queria eu sorrir so' em descida? Amanha? Que queres tu no virar da esquina? EU QUERO SOFRER! NÃO, quero DESCER! Sempre preferi as subidas...

Ja' era tarde nesta vida e ainda andava para cima e para baixo, ocupado entre mapas e horas. Ja' tinha feito 90kms quando vi a placa, 30kms para o destino.
Eram 30kms a subir mais que a senhora da graça, a torre, o alpez d'huez, a col de la bonette. Sim, eu ja' sofri, bem so', muito do que ha' para subir dessas etapas das voltas, vueltas, giros e tours dessa Europa, mas depois de 90kms, 30km de prémio de montanha na volta a china em bicicleta talvez fosse demais, ou talvez tivesse eu 30 anos e fosse ali a vitoria da minha vida! Vamos la'...

20kms de subida ininterrupta depois, começou a chover e ja' não havia luz.
Depois do por do sol e 110kms nesse dia, com fome, frio, sem pilhas nas luzes, a chover, a qualquer coisa como 2200m de altitude achei que, enquanto me deliciava exausto com aquela paisagem de arroz, devia levantar o braço. Tera' sido a primeira boleia da minha vida?

E' inevitável acabar a vida a' boleia, pode ser um desconhecido (na estrada) ou um filho, mas e' sempre a' boleia que se acaba a vida. E no final de tudo, depois da boleia, estara' la' o sol ainda e a paisagem quase escura e uma vida para veres com chuva talvez. No centro ou sul da china, a vida.

E o corpo-vida, essa dual intercepção. E eu de fora, a ver ali, essa luz corpo-vida de explosão, que não sou eu. E depois so' eu, a VER-RIR, sem corpo-vida.

12 October 2010

Manatee Tail

Today I dreamed I was swimming with a manatee and that I was obsessed with the beauty of its tail.

A dream is memory. The tail of the manatee I saw in Belize in August was the most beautiful thing I saw in this trip, maybe in my life.

The manatee is also known as the sea cow, it is a mammal that can stay underwater for 15 minutes. 

Watching that animal swimming away from me into the dark ocean was a dream like vision. Slowly moving its perfectly round tail up and down. I remember its loneliness, the dark blue of the ocean, the silence, but specially, the incredible shape of its tale (similar to the tale in the picture above but even better).

10 October 2010

A experiência do animal (becoming animal)

Vou tentar explicar a experiência do homem/animal. Experimenta fazer isto com alguém que conheças muito bem, o teu parceiro por exemplo.

Passo 1: começa por olhar nos olhos dessa pessoa. Ali esta’ alguém que conheces muito bem, uma cara familiar, um sentimento de conforto provavelmente ate’.

Passo 2: deves agora fixar-te nos olhos dessa pessoa, aprender os detalhes do olhos, se a cor e’ uniforme, se muda do interior para o exterior, se o lado direito do olho esquerdo e’ mais riscado que o lado esquerdo do olho direito, ou outra coisa qualquer que ve’s todos os dias, mas nunca viste.

Nota 1: aqui falo so’ disso mesmo, ver o que vemos mas não vemos. Ver aquilo que esta la’ mas não vemos, que nos dará acesso, mais tarde, a outras realidades. Porque “realidade”, todos dizem, e’ isso que todos vemos. Mas se todos não vemos tudo aquilo que vemos, que realidade e’ esta? O exercício leva-nos para ale’m desta realidade. Para outra, uma qualquer! O exercício e’ portanto um exemplo.

Nota 2: se não tiveres parceiro ou quiseres ter resultados mais interessantes, faz o exercício ao espelho. Não acredito que conheças todos os detalhes dos teus próprios olhos, como quem conhece todos os detalhes da sua própria mão, ou do seu nariz. Pode ser perigoso! (Pirandello)

Passo 3: depois de te teres perdido nos detalhes dos olhos que estão a’ tua frente, foca-te num so’ olho, repara como abre e fecha, concentra-te nas pestanas e depois nas mucosas laterais e naquela membrana que segura os olhos la’ dentro. Depois olha a pele interior que se ve’ a tocar no olho logo ao lado das pestanas.

Passo 4: depois de alguns minutos de círculos de atenção, aos poucos, vais começar a ver aquele olho, talvez outro olhoO risco a traçar vai da cara da pessoa que conheces ate’ ao olho que e’ igual ao de um lagarto. Aos poucos aquele olho passa a ser animal. Passa a ser uma coisa estranha, viscosa.

Passo 5: depois de o olho se ter tornado estranho podes desfocar, podes voltar ao todo, podes concentrar-te na cara, no pescoço, no corpo. Nas suas rugosidades ou plasticidades. O objectivo e’ no final olhares a pessoa com quem te sentias confortável e sentires um animal estranho a’ tua frente, as pálpebras para cima e para baixo, os lábios de carne molhados, a pela da cara a esticar e contrair-se: eu amo um lagarto!

Passo 6: quando este lagarto começar a falar outra vez contigo (ate’ aqui a experiência tem de ser feita em silencio), a sensação atinge o seu auge se não entenderes o que diz. Portanto, se ele ou ela fizer alguma coisa que tu não entendas melhor: estás perante um animal estranho.

Passo 7: aos poucos voltaras atrás, a pessoa passara’ a ser a normal que sempre conheceste e te faz sentir confortável. A viagem terminou.

Nota 3: o mundo podia ser todo aquele em que viste este animal. Essa pessoa próxima vista como um animal. Agora imagina que esse mundo que viste, animal, e’ o real. Ou talvez seja so’ outro possível, outro simulacro.

O autocarro da noite

(continuação, mais pobre, do acreditar na noite, escrito numa outra insonia na noite chinesa, um tema e pergunta fundamental desta viagem: que trazemos no's da noite? que leva'mos no's deste dia para a noite? na noite nada permanece: se nao permaneco, que sou eu senao esse nao permanecer?)


O autocarro da noite entra pela noite dentro. Entra-se no autocarro ao final da tarde. Sai-se do autocarro pela manha da vida. A saída e’ de um mundo, a entrada noutro, e pelo meio, a viagem de autocarro.

A viagem de autocarro e’ uma viagem pelo vazio, pelo caos. Na china, entra-se num ponto desconhecido e, na china, sai-se noutro desconhecido.

Durante a viagem pela noite o autocarro passa territórios escuros e abana. As convicções não ficam. Durante a noite há o medo, há a desconfiança e deve-se estar preparado para morrer. Como na insónia e no acreditar na noite. E' mesmo preciso acreditar na noite!

De manha o mundo começa outra vez e temos de nos refazer de tudo. Como quem começa de novo. Pela noite dentro que levamos no's da noite? Que trazemos no's da noite? Que fazemos no's da noite? Que leva'mos no's deste dia para a noite? O autocarro da noite abana, convicções e não deixa dormir. Tens de estar preparado!

06 October 2010

O “rapaz porquê” cresceu e, continuando a perguntar, deixou de querer respostas

Ao entrar no avião de Londres para o Porto, a sua voz de dez anos é a minha voz de 10 anos. O sotaque de 10 anos é muito forte. E pergunta coisas, claro. Ele quer descobrir, perguntar. A mãe não lhe diz. Mas ele não desiste de perguntar. O que é? Como é? Ele esteve em Londres uns dias. Ele vai voltar para o Porto onde as perguntas são mais difíceis. Onde há menos perguntas para perguntar? Em casa. Ele tem 10 anos, eu também. E também volto para casa, onde há menos perguntas perguntáveis. Onde a diferença se deita e descansa.

E quando ele pergunta, ele sorri pois, e salta até. Saltar de pedra em pedra na praia ou montanha enquanto faz perguntas sem parar. Sem querer sequer as respostas. Só um “Mãe, os aviões têm filhos?” qualquer. Que vai ser dele quando já não tiver 10 anos? Porque vamos parar os dois de crescer aos 10 anos? Aos 10 anos, e’ bom, e nem eu nem ele queremos voltar, como quem tem uma mãe sempre a’ mão. O avião arranca para o Porto, alguém atrás de mim troca um V por um B e eu envelheço. O imediatamente antes de chegar e’ o momento mais triste da viagem.

Impressões da primeira meia hora em New York

E’ sempre maravilhoso chegar a uma grande cidade do mundo. Antes Tokyo, agora New York. Algo em comum, uma chegada tarde e sem plano algum. Sem mapas. Sem ideias. So’ uma cidade gigante e muito imaginário. No avião já se ouve o sotaque nova-iorquino cheio de energia a falar dos seus produtos e negócios. A’ saída logo um senhor de 70 anos de smoking impecável, pronto para entrar numa festa de gala ou limousine.

No comboio aéreo entre terminais passo no parque de estacionamento e vejo limousines a perder de conta. Começo a cantarolar “New York, New York”. E as memórias começam a aparecer. O livro This Side of Paradise (Fitzgerald) vai ajudar. A Nova Iorque vem-se de smoking! Times Square/Central Park, não e’?  A estátua da liberdade, o empire state building e as twin towers. Nada disso: New York e’ o MOMA e o MET! E que mais! O comboio das 23h entra pela cidade a dentro e as referências multiplicam-se com a inspiração: aqueles bonés NY aqui são locais.

E’ a capital? Não. E’ a maior do mundo? Não. E’ provavelmente a mais rica cidade do mundo? Arriscaria que e’ a cidade com mais milionários. Não são um ou dois shakes que são pentamilionarios. Não, e’ uma cidade de milionários, Nova Iorque tem milhares de milionários!

02 October 2010

Funeral oration for a passport (me, my body, and my identities)

Dear (not so) old passport, I never really liked you.
They look at you
and call me Ramos
They stamp your pages
and let me pass…

Borders they say! They have big pieces of cloth they call flags and they say they are proud of. They are proud of being born in a specific piece of land and not another. They call these places countries. They call me “Portuguese!” because I was born in a place and not another.

When I was born, they wrote Ramos on you to keep track of my body. They call it a legal identity: I am you and I am my body. And Ramos they call to all these things.

They do the same to themselves! They make signs in papers to make believe the papers represent their bodies. They even believe their bodies represent themselves!

But after those so many borders and papers and stamps, my dear, I see just more men. All the same eyes, mouth and feet, and all with the same gaze, looking for food and shelter.

Sometime in the future they will call Ramos to the court, you, my body and me. But well, I like to use you to travel, and pretend I am that Portuguese Ramos they say I am. You and me together! But when they call this Ramos, my dear, I will refuse, I will tell them the truth about you and I. I will tell them I am no Ramos. I am not the entity they say you represent. I am no paper or classification. I am no you!

I may accept I am this body today, but I will never accept that I am you. I will always refuse to understand the reason of your existence.

My dear passport, I hope you rest in peace!

27 September 2010

Dia 195, Londres, dia de permanecer

No dia 195, em Londres, há’ formigas no tubo, o metro, estreito. As linhas assustadas traçadas pelos olhares, o bambolear da carruagem, o aviso no microfone em voz mecânica, inglês pois. A escada rolante ate’, leva ela também um certo cinzento. Estamos no inicio de Setembro, esta’ a chover, merda. E’ escusado continuar a contar os dias do verão. Já chegou o Outono, já não há viagem, ou surpresa. Há’ só’ comboios para sítios onde tenho de fazer coisas. E’ escusado continuar a sonhar com o ar puro ou agua do mar. E’ Outono!

O dia 195 e’ o dia de parar a contagem, viagem. E’ dia de parar de sentir. E’ dia de parar de sonhar, parar. Parar de ir, sorrir. E’ Outono. E’ dia de obedecer, dia de permanecer. E a gota que corre pelo vidro da janela do comboio, escorre também pela minha cara.

No dia 195, permanecendo, a própria tristeza e’ mais banal, como no dia em que falta um ano inteiro para o Carnaval:

08 September 2010

A volta ao mundo em (cento e) 80 (e oito) dias

Há pouco mais de 6 meses sai de casa, a mochila tinha 5 t-shirts, 5 livros, uns calções e pouco mais. Os sapatos iam nos pés e mais nada. Se o pensar pesasse (trouxe tanta coisa de casa para a viagem e agora volto com tanto mais que) um cargueiro não chegaria para tanta intensidade (sem esquecer que o peso de um poema e’ inverso a’ duração do seu fôlego).

Foi uma viagem excepcional! Uma viagem muito maior e mais interessante do que o que pensava ser possível. Uma viagem que não tinha plano mas que tinha aspirações. Aspirações a’ inspiração, a’ diferença. Uma viagem que pretendia mudar a minha vida, que pretendia mudar-me a mim, que pretendia atirar-me mais adiante. E assim o fez (processos maioritariamente não representados neste blog). Foi uma viagem com um pouco de tudo, mas foi acima de tudo, uma viagem BOA . As incontáveis memórias misturam-se com o que mudou em mim: uma enormidade. O mundo como máquina de moldar homens.

As etapas
Primeiro veio a paz, o deixar o stress de 2 anos de trabalho intenso sair pelos poros... no Egipto. Depois veio a inspiração do médio oriente. Nem sei porque pus este passo no caminho para a China. Um grande golpe de sorte atira-me para uma região do mundo incomparavelmente fascinante: Palestina, Síria e Líbano estão agora no top dos meus países favoritos para viajar. Sempre que alguém pede recomendações eu sugiro: médio oriente! Para os mais medricas, ao menos a Síria!

Depois veio a concretização de dois objectivos que foram crescendo no médio oriente, viajar de bicicleta e conhecer a China, esse exotismo máximo. Um mês de descoberta da China encheu-me de vontade de para lá ir viver. E, como se não bastasse, uma semana no Japão representou uma cereja em cima deste bolo exótico, que grande surpresa este Japão singular.

A terceira etapa da viagem, os Estados Unidos, apareceu com um objectivo utilitário: será que eu vou gostar? Será que e’ um pais onde poderei viver? Ou será um país para esquecer? Aos 30 anos e depois de ter viajado tanto, já não podia deixar estas questões por responder. No entanto, a passagem relativamente rápida para o México funcionou como um escape de um mundo que me desagradou. Talvez mais tarde…

Depois de 4 meses exóticos cheios da tão desejada diferença, as férias com a M na América Central foram puro gozo, a descoberta de um continente pequeno (do tamanho de Franca) e de uma realidade político-social muito triste: umas férias maravilhosas!





Depois da viagem
Há já vontade de voltar… a’ viagem claro! As minhas viagens são sempre rápidas. Nunca fico muito tempo num só sítio. Há vontade de voltar rápido ao médio oriente, acrescentar o Irão que ficou por pouco de fora. Há muita vontade de voltar a’ China onde quero viver, e também ao Japão cujos 7 dias que la’ passei souberam a muito pouco.

Talvez tenha sido a viagem da minha vida. Ou talvez não, a melhor viagem e’ sempre a iminente. Ou talvez não. A viagem da minha vida vai ser uma viagem que farei quando me reformar: sair de casa de bicicleta e chegar com ela a’ cidade do cabo, ou ao sri lanka, ou a Beijing (vou ter tempo para planear). Aos 30 passo pelo mundo rápido como quem diz olá e ate’ breve, aos 60 viajarei lento como quem passa para dizer adeus.

Ou então, daqui a dois ou 3 anos há mais! Começando na China, no inicio do Verão (2013) parto em direcção a’ Ásia Central e, sem voar, cruzo para o Irão onde poderei voltar a’ tão querida Síria. Depois de rever a Palestina e o Egipto, partirei numa viagem em direcção a sul por essa África adentro…
Pensavam que isto tinha um fim, não e’? Ate que eu morra, a realidade precisa de mim.

The 188 nights and 77 beds

A list of the 77 beds I slept in in the last 6 month, including 15 new countries for me (I didn’t count the beds exactly):

BELGIUM BRUSSELS EGYPT CAIRO   DAHAB   SINAI   NUWEIBA JORDAN WADI RUM   PETRA   AMMAN ISRAEL JERUSALEM   TEL AVIV SYRIA DAMASCUS LEBANON BEIRUT SYRIA DAMASCUS   PALMYRA   ALEPPO TURKEY ANTEP   ISTAMBUL   BODRUM   OLYMPUS   ISTAMBUL THAILAND BANGKOK LAOS VIENTIANE   VANG VIENG   L. PRABANG   NORTH LAOS CHINA YUNAN   GUILIN   YANGSHUO   MACAU   HONG KONG   SHANGHAI   BEIJING JAPAN TOKYO   KYOTO USA SEATTLE   SAN FRAN   LA MEXICO BAJA CALIF   MAZATLAN   GUADALAJARA   DF   SAN CRISTOBAL GUATEMALA TILAPA, XELA   ATITLAN   ANTIGUA HONDURAS COPAN, CEIBA   UTILA   SAMBO CREEK NICARAGUA MANAGUA   GRANADA   S. JUAN DEL SUR   OMETEPE   LEON EL SALVADOR EL TUNCO GUATEMALA RIO DULCE   LIVINGSTON BELIZE HOPKINS   CAYE CAULKER MEXICO CHETUMAL   TULUM   COZUMEL   PALENQUE   DF USA NYC UK LONDON

Grabete (o preço da brincadeira)

Para quem esta' a pensar fazer algo do género, estes números podem ajudar: foi uma volta ao mundo de 188 dias que custou (quase) 8000eur mais 1800eur para as viagens de avião (compradas adhoc conforme fui querendo, sempre one-way, e sempre direcção Oriente).

Os três factores mais importantes na estimativa de custos são (1) o preço das coisas no país de destino, (2) a velocidade (relativa ao tempo que se fica num dado local) e (3) viajar sozinho ou em grupo. Sendo que viajar sozinho e’ 20/40% mais caro que viajar a dois e quanto mais rápido se viaja mais cara fica a viagem.

Neste caso, a minha viagem foi quase toda solitária e muito rápida (e’ normal viagens a’ volta do mundo de um ano terem menos paragens que esta de 6 meses) o que atirou o custo médio para 42eur por dia. Este valor depende claro dos níveis bem diferentes dos preços nos locais visitados. Definindo, por exemplo, 3 grupos:
- destinos caros, USA e Japão: 70/80eur por dia
- destinos de custo médio: Israel, Jordânia, Turquia, México e cidades da China - 40/50eur por dia
- destinos baratos: Egipto, Síria, Laos, Sul da China, América Central - 20/30eur por dia

Deixo um resumo do trajecto e respectivos custos:



06 September 2010

Amérdica

Os dois últimos mexicanos que representam muito do que vi e senti nesta Amérdica do norte e centro.

O recepcionista
As histórias de cruzar o deserto para o outro lado (estados unidos) repetem-se. Aos 17 anos foi com um tio pelo deserto, 4 dias, 2 dos quais sem comida e com pouca água, la chegaram ao pais do dinheiro. Ai fez o secundário, e começou a trabalhar, um pouco de tudo, construção civil, pintura, lojas e um filho que agora tem 2 anos. Um dia regressava do trabalho em Nova Iorque, um carro segue-o, manda-o parar, mostram a identificação da policia. “Legal or illegal?” “Illegal sir” “Me dieran la ?fenolia?” “Es el peor que te poden dar”. Aos 23 anos chega deportado ao seu México, vai para a grande Cidade do México. E’ o recepcionista do hostel no centro histórico e oferece marijuana de fumar aos seus convidados americanos que lhe dizem revoltados: “Why the fuck you want go back to my stupid country? People are stupid there man!”. “Me gusta la diferencia y bueno…” (o polegar e o indicador dizem dinheiro). Este rapaz usa um tom de voz inocente e humilde, dizia que queria aprender português e pedia-me conselhos para como estudar. Há rapazes com cara de bonzinhos, que querem conhecer as coisas curiosamente e viver uma vida boa. Mas o mundo em que nasceram, muitas vezes, não os deixa.

O homem que cheirava cola
O último mexicano que me disse algo tinha as calcas rotas e parecia que me queria roubar. Olhou para mim e pôs a mão dentro das calcas de ganga sujas e largas. Dai, bem do centro na frente, sacou uma lata amarela, verteu um pouco numa das mãos e encostou de imediato a mão a’ boca, inspirando. Teria uns 35 anos e parecia cansado, baixou a cabeça sobre o suporte de metal. Estamos no metro da Cidade do México a caminho do aeroporto, a deixar para trás este continente.

O meu espanhol
Havia um objectivo mais ou menos fácil de atingir nesta norte/centro América: falar unicamente espanhol durante 2 meses (evitar o inglês nem sempre e’ fácil com tanto gringo a passear por aqui) e fazer o meu espanhol saltar de intermediate/fluente para expert/muito fluente. As últimas palavras que ouvi dizer em espanhol aqui foram “Usted habla muy bien espanol! Buen viaje!”. Fiquei contente. Os caminhos da aprendizagem de línguas são muito árduos (para mim, ao me nos), cheios de frustrações: o espanhol e’ fantástico por ser tão fácil.
Hasta la vista Amérdica...

Um americano e’ uma coisa sorridente, ele não tem culpa!

Um americano diz a voz alta quando brindamos na mesa do hostel: “Great! All different countries here: France, New Zealand, Australia, Portugal, L.A., Belgium” (LA e’ Los Angeles, uma cidade do estado de Califórnia nos Estados Unidos). Ele não disse isto como piada, e ate’ e’ algo que muitos americanos fariam (e’ fácil imaginar um nova-iorquino a dizer o mesmo). Que hei-de eu pensar desta curiosíssima situação?

Um americano e’ uma coisa sorridente, ele não tem culpa! Um americano viu televisão (ou youtube) a mais, sorriu e na escola aprendeu a sorrir mais com competência, a vender. Um americano aprende a ser bem sucedido: ser famoso, ter dinheiro. Um americano aprende a cantar USA e a gostar e defender a bandeira.

Um americano concorda que chamar “comunista” a outro americano e’ um insulto. Conheci um que era antigo membro do partido comunista americano (sim, existe!). E uma das primeiras coisas que vi em Seattle, a primeira cidade que visitei nos Estados Unidos nesta viagem, foi uma estátua bem grande do Lenine (sim, e’ incrível!).

Um americano não tem culpa que um americano não goste dele. E’ que um americano gosta dele! O que um americano não gosta num americano e’ o seu ser americano, tudo o resto e’ tão maravilhoso como outro ser humano qualquer. Sem mudar de exemplo, o mesmo personagem que brindou a’ sua nacionalidade de Los Angeles e’ um jovem interessante de 30 anos que deixou a sua carreira de contabilista para viajar de mota pela América Latina e descobrir a sua vocação, ser artista!

Um americano gosta do exército. Ele tem uma metralhadora e passeia nos halls do maior aeroporto do mundo de camuflado castanho claro. Um em cada 200 americanos estiveram no Iraque a matar Árabes (ainda não conheci 200 americanos mas já conheci 3 que estiveram no Iraque a matar árabes). Ou será antes a América, e não o ser americano dos americanos, que um americano não gosta? Nada disso! Nada contra a América ou os americanos! At all! O problema e’ a América simulacro, simulacro do que realmente um americano não gosta, simulacro império dominador, simulacro capital de negociante. O braço mais forte, o meu braço direito, mete-me nojo. O (corpo) continente inteiro.

Um americano no Panamá teve o mesmo papel que um americano no Iraque. Alguém que manda lá não fez o que um americano mandou. “no problem”, manda vir um americano ( 1,5 milhões!) para limpar o assunto. Passados 7 anos, um americano (preto) diz: “ok, agora acho que agora eles conseguem entender-se”.

Se um americano (30 mil) regressar com problemas físicos ou psicológicos, e se outro (5 mil) morrer, “no problem”, foi pela pátria!? Que há-de um americano pensar disto? Alguma coisa esta’ errada? Onde estavam o Popper e o Russell quando escreveram aqueles livros que faziam um americano acreditar no caminho que se segue? Ah, já sei, estavam com medo das bombas atómicas e não podiam dizer outra coisa senão ser positivistas: coitados optimistas.

Um americano fala do fim da história. Qual historia? Esta, simples: “e a guerra continua", nada de novo em séculos e séculos. Se calhar ainda vou viver a terceira guerra mundial. Ou então a queda do império Americano. Enfim, há um país lindo que temos de visitar rápido, antes que seja tarde de mais: o Irão. Ouvi dizer que a grande pérsia (Irao) segue a grande mesopotâmia (Iraque)! E depois não haverá sequer arqueologia que os salve, vão ser so’ MacTablets, CuneiformKings e BigDarios!

Um americano, Pollock, quando era jovem:


01 September 2010

Moralidade Judaico.... cristã

Todos nós (portugueses) temos um pouco de moralidade judaico-cristã incutida em nos. Aquele princípio geral do não desperdício fundado no dever comer a comida toda, não a deixar no prato, ai pobrezinhos que morrem a' fome!

Tudo começou pela compra de uma pasta de dentes com um sabor bem mau, horrível, ou talvez nem tanto. Ao longo das semanas, aquele sabor mais ou menos mau foi habitando as nossas bocas. Algumas queixas esporádicas, mas nada mais.

No último dia das férias, fui lavar os dentes antes de me deitar, voltei, deitei-me na cama e disse:
- Sabes qual foi a pior coisa destas férias?
- SIM, a caganeira e vómito ao mesmo tempo - disse a M.
- Ah! Não, isso ate' e' giro para contar aos netos! O pior foi o sabor desta pasta de dentes! - disse eu.
- Tas a gozar, tu nunca deitarias a pasta de dentes fora! - disse a M.
E aqui começou a nossa divagação judaico-cristã. Porque raio não deitamos a pasta de dentes ao lixo logo no primeiro dia e compramos uma nova? Porque temos uma moralidade judaico-cristã impregnada! Não desperdices!

Bem, mas isto tudo só para falar de etimologia! E' que Judaico vem de Judeus e a M tem uma história bem melhor que esta!

No último dia do nosso curso de mergulho, em Utila (Honduras), fomos mergulhar com uns Israelitas (judeus portanto) muito simpáticos. No ultimo mergulho a M resolveu não mergulhar porque lhe doíam os ouvidos de tanta variação da pressão. Mesmo antes do mergulho a M falava com os seus amigos judeus que a aconselhavam quanto ao mergulho e a' dor de ouvidos. Ate que um deles se vira para o outro e diz algo em Hebreu (língua dos judeus cheia de ram ram's). Os dois partem-se a rir e o outro traduz "Even if you are not diving, you should go snorkelling with your tank, because you paid for it" (mesmo que não mergulhes devias nadar a' superfície com o teu tanque, já que o pagaste). Todos se riem e um deles diz "It's in our vains, we are jews" (está-nos nas veias, somos judeus).

Em pleno Caribe a M faz arqueologia da moral... do judaico ao cristão.

O verão das nossas vidas

40 dias depois ela sobe as escaditas do autocarro e senta-se. Mas eu tinha-lhe escolhido o lugar a' janela, alguém se tinha já sentado no 5 da janela e ela ficou só com o 6. Que podia eu fazer? Entrar por ali a dentro e dizer que a janela era para ela? Que raiva!

40 dias depois acabou o verão. O Outono que ai vem, seja ele qual for, da vontade de chorar. Que fazemos agora? Pensamos em como evitar o vento e a chuva que ai vem? Ou pensamos em como foi bom o verão? Tu memoriza-me tudo! Escreve! Que eu quero lembra-lo quando eles forem já grandes.

40 dias depois ainda quase não chorei e dói-me a cabeça das lágrimas acumuladas. Melhor e' dormir na cama vazia. Deve-se sempre dormir na diagonal quando falta alguém na cama. O que me vale e' este jogo de palavras que invento agora em pressas, para que, em velha artimanha, escorram as emoções pelos dedos fora.

40 dias depois acabou o verão das nossas vidas. E agora?

no hay nada mas dificil que vivir sin ti

Este blog e' um falhanço. Servira' talvez para me fazer lembrar no futuro o que senti. Mas para ti leitor, não haverá maior falhanço. Como te explico leitor o que me faz chorar ao ouvir esta musica no voltar a' Latino América, ao voltar a estes autocarros: saltitoes multicolores cruzando verduras abananadas. E o sistema de som que vale tanto como todo o autocarro e os hits do momento que se repetem interminavelmente:

no hay nada mas dificil que vivir sin ti
sufriendo en la espera de verte llegar
si no te hubieras ido yo era tan feliz